CHUVA DE DESCASO E DEBOCHE


                Jornal da Estância
                                                                                        
            Todos os janeiros, notícias de enchentes e catástrofes provocadas pelas chuvas inundam o Brasil, demonstrando o descaso do governo para com seu povo e sua incapacidade no gerenciamento dos riscos ambientais.
Um fato recente e marcante simboliza essa ineficiência: em Guidoval, na Zona da Mata Mineira, um casal e duas filhas abrigaram-se sobre uma mangueira para escapar da implacável correnteza do rio Xopotó, que transbordava muito além de seu leito.
            Passaram a noite chuvosa agarrados aos galhos da árvore, enquanto a correnteza destruía quanto havia em seu curso. Após 12 horas, Genésio perdeu as forças, caiu e foi levado pelas águas. Antes, implorou à família que fosse forte e, ao contrário dele, resistisse.
            As três, desesperadas e impotentes, viram-no desaparecer nas muitas águas e  acabaram resgatadas por bombeiros, após mais 4 horas de agonia. Genésio foi localizado sem vida, tempos depois.
            Essa é somente mais uma família que, de forma dramática, perde casa, todos os pertences e a vida de um ente querido em janeiro, no Brasil.
            Desde que o planeta conquistou alguma estabilidade climática, é sabido que o verão, em países tropicais, é tempo de intensa chuva.
            Assim, impossível entender, à luz do bom senso e da decência, por qual motivo os sucessivos governos não gerenciam melhor o impacto das chuvas nas regiões tradicionalmente castigadas.
            Parecendo seres alheios à vida na Terra, os políticos anualmente se põem ante câmeras e microfones, com ares compungidos e surpresos, dizendo que as desgraças  decorrem do aumento inesperado das chuvas, que superam em muito os índices pluviométricos de anos anteriores.
            Repetindo frases feitas, culpam as chuvas, tentando eximir-se da responsabilidade pelo descaso com que tratam o povo e pela desonestidade de propósitos com que administram os recursos públicos.
            Se estivesse em outro País, governado por outro tipo de gente, não ousaria dizer que a desgraça do povo serve como fonte de favorecimento para muitos dos poderosos e mal-intencionados da vez. No Brasil, contudo, não resta outra impressão, afinal, em virtude da histórica seca do Nordeste e das chuvas periódicas em outros pontos do território, cifras astronômicas de dinheiro vêm sendo dilapidadas com a suposta finalidade de reconstrução de lugares danificados e prevenção a desastres naturais.
            O dinheiro sai dos cofres públicos, mas as tragédias não são prevenidas, suas consequências não são reparadas a contento, e inúmeras pessoas perdem a vida e seus pertences, a cada período de chuvas.
            Seguindo essa surrada e deplorável linha de conduta, o Ministro da Integração Nacional, amparado por outros escalões do governo, destinou 90% da verba de prevenção de desastres naturais a Pernambuco, sua terra natal. Subestimando a inteligência dos brasileiros, Fernando Bezerra diz que o faz por “critérios técnicos”, como se Pernambuco fosse o Estado brasileiro mais castigado do Brasil, por força do sol ou da chuva!
            O Ministro, mostrando desprezo pelos brasileiros, tenta, cínica e debochadamente, explicar o inexplicável.
            Pernambuco é um Estado sofrido, sem dúvida.  Todavia, não o maior deles, para, sozinho, receber tão elevada parcela de recursos, enquanto os 10% restantes serão divididos entre outros Estados semidestruídos e ainda contando seus mortos.
            Com o dinheiro público longe da promoção do bem comum, tragédias como a de Genésio e sua família, em vez de motivarem ações eficientes, apenas engrossam as estatísticas dos desgraçados pelas enchentes.
E a culpa continua sendo posta exclusivamente na chuva, afinal, se ela não caísse, tragédia alguma ocorreria...
            Lamentavelmente, a mais intensa chuva que se precipita sobre o povo brasileiro é a chuva de descaso e deboche por parte da maioria de seus administradores. Essa, infelizmente, não atinge pontos isolados ou cai em períodos determinados. É contínua, sem previsão de estiagem.

Simone Judica é advogada e colaboradora do Jornal da Estância (simonejudica@ig.com.br) 

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