Por que não devemos comemorar o 31 de março


Esta história começa nos anos 60 quando partilhávamos de uma infância feliz em uma cidade do interior do estado de São Paulo.  No dia 1 de abril de 1964, vimos quando o exército marchou pelas ruas de Bauru para mostrar que a lei de exceção estava em vigor no Brasil, e que os militares tinham desfechado o golpe de 1964 e, assim derrubado um presidente eleito democraticamente, e o pior, morria ali o sonho de milhões de brasileiros que vislumbravam um País mais justo, democrático e inclusivo.  Nesta época eu tinha 9 anos e na verdade não tinha muita consciência do que estava acontecendo, salvo algumas conversas que ouvia entre meu tio e meu avô,  e também pelo fato de meu pai ter fugido da cidade em que trabalhava como dentista, perseguido pela repressão.
O mundo de então estava em ebulição nos costumes, na música e, principalmente na política.
Por um lado The Beatles, Rolling Stones, Festival de Monterey, Woodstock, o movimento hippie, os protestos estudantis da França em 1968 e também a Primavera de Praga no mesmo ano, quando Dubseck tentou dar uma face humana ao “Socialismo” e teve seu sonho e do povo Tcheco esmagado pelos tanques soviéticos.
Olhamos tudo de longe, vivíamos em Bauru e a opção do meu grupo foi de contestar o regime militar tentando nos engajar nos movimentos da derrubada dos costumes e tabus vigentes, pois éramos muito infantis para pensar em política.  Pois uma revolução não acontece somente quando se empunha armas, mas principalmente quando se muda conceitos, se derruba costumes e tabus, transformando assim o modo de pensar da sociedade.
Neste contexto assumimos o “Centro Cívico”, da escola estadual em que estudávamos e começamos ali nossa “revolução”.  Esta escola elitista através de sua direção não demorou muito para tentar frear as mudanças que tentávamos implantar, mas fomos em frente; já que tínhamos o apoio maciço dos alunos que esperavam de nós algo em que acreditar.  Lembro-me das xispadas (para quem não sabe o que significa era correr pelado pelas principais ruas da  cidade como forma de protestar contra a ordem vigente), das noites em que ficávamos muito “loucos” sentados na rampa da escola Senai  da Rua Virgílio Malta, olhando para as estrelas e refletindo sobre os livros de Carlos Castaneda.  Já no cursinho não posso me esquecer do Jornal “O Vagalume”, que criamos em pleno Governo Medíci e também do Grupo de Teatro Momento que em 1975 encenou a peça” Herrare Humanun Est.”
Veio a faculdade, nossas lutas pela redemocratização, as diretas já e, finalmente a eleição direta de um civil para Presidência da República.  Mas a situação de nosso povo pouco mudou.
Precisou que em 2002, um operário fosse eleito Presidente para que o País começasse a mudar.  Nestes 8 anos aqueles que estiveram esquecidos por 500 anos puderam voltar não só a sonhar mas principalmente ter a certeza que suas vidas estavam mudando definitivamente.
Este texto é dedicado ao Marco Antonio (Turco), Kamelzinho, Gilson, Alvaro, Maria Helena, Claudia, Paulo Neves e tantos outros amigos que ajudaram a forjar minha personalidade.

                                                                                                      Emir Bechir

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