Fila para exame chega a demorar dois anos



Auditoria do Tribunal de Contas do Município aponta deficiências no atendimento da rede de saúde paulistana

Sistema que agenda consultas apresenta problemas; demora também aumenta por falta de médicos 

TALITA BEDINELLI
DE SÃO PAULO 

Com uma artrose no pé que a deixava com fortes dores, a doméstica Adaiza Bezerra da Silva, 37, procurou o posto de saúde próximo à sua casa, na zona sul paulistana.
Saiu da consulta com uma guia do médico pedindo uma ultrassonografia, necessária para iniciar o tratamento.
Mas a vaga para realizar o exame surgiu só oito meses depois. "E quando me ligaram, a vaga era para o dia seguinte, às 8h. Disseram que eu não podia perder ou demoraria para surgir outra."
O caso de Adaiza não é uma exceção. Há pacientes que esperaram até dois anos para conseguir marcar exames de imagem, como ultrassonografias, mamografias ou ressonâncias magnéticas na rede municipal de São Paulo.
As informações são de uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município), obtida pela Folha. É a primeira vez que o tribunal realiza levantamento detalhado sobre a fila de espera para exames de imagem.
A auditoria foi usada pelo órgão para compor o relatório anual de fiscalização das contas da prefeitura, que apontou que a administração Gilberto Kassab (PSD) é mal gerenciada, conforme mostrou a Folha no dia 14.
Na área de saúde, o relatório destacou avanços: como o aumento de 600% no número de consultas médicas e de 50,6% no número de cirurgias em cinco anos.
Nesse mesmo período, o número de exames também cresceu 58,66%, diz o TCM.
Mas, segundo o órgão, os pacientes sofreram com a "inexistência de coordenação e controle [pela Secretaria Municipal de Saúde] dos equipamentos [de exames]".
Um dos problemas, diz o TCM, é que o Siga (Sistema Integrado de Gestão e Assistência à Saúde), que organiza consultas e exames, não é usado de forma adequada, o que permite, por exemplo, que um mesmo paciente tenha seu agendamento realizado duas vezes.
Outro problema que contribuiu para a fila de exames, de acordo com o órgão, foi a falta de médicos especialistas -de 35 unidades de saúde visitadas, 39% tinham escalas médicas incompletas.
A auditoria foi realizada em pedidos médicos feitos pela rede pública de 30 de agosto a 3 de setembro de 2010, com datas preenchidas (59% do total de 6.158).
Houve paciente que esperou 889 dias por uma ultrassonografia doppler (a média de espera para o exame foi de 114 dias). Uma mamografia, cujo tempo médio de demora foi de 78 dias, levou 595 dias.
Cerca de 60% dos exames da rede são feitos por meio de Organizações Sociais, sendo que sete em cada dez deles foram realizados pela Fidi (Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem) e Santa Casa.
Um levantamento feito pela Folha mostra que essas duas instituições não estão cumprindo as metas estabelecidas no contrato com a prefeitura, apesar de estarem recebendo verba pública, algo em torno de R$ 30 milhões apenas no ano passado.

OUTRO LADO

Prefeitura diz que a culpa é do paciente, que falta a consultas

DE SÃO PAULO 

Para a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, o problema da não realização de exames e da longa fila de espera acontece pelo grande número de faltas de pacientes aos exames marcados.
De acordo com o órgão, a zona sul, onde só 58% das mamografias programadas foram realizadas no último ano, é a região da cidade com o maior índice de absenteísmo (não aparecimento nas consultas), segundo o órgão.
O próprio TCM confirma que a taxa de não comparecimento é grande: cerca de 20%. Mas diz que isso acontece porque o próprio sistema de marcação de consultas da prefeitura permite que um mesmo paciente marque duas vezes o mesmo exame.
A secretaria disse que vem desenvolvendo ferramentas de informática para tornar mais ágil o processo de marcação de consultas e exames.
O problema da falta de médicos, diz a secretaria, é nacional. Mas houve aumento de 58% no número dos profissionais entre 2004 e 2010.
O órgão afirmou que hoje as filas de espera são menores que as de 2010.
A Santa Casa afirmou que a produtividade de exames ficou abaixo da meta porque atende demanda espontânea de pacientes nas unidades (de urgência e emergência) onde os exames são feitos.
A Fidi não se pronunciou.
ANÁLISE 

Há áreas em que o problema não é recurso, mas organização

ANTONIO CARLOS CAMPINO
ESPECIAL PARA A FOLHA 

De acordo com o TCM de São Paulo, o total de gastos em saúde na cidade foi, em 2010, de R$ 5.412.474.041, o que corresponde a R$ 481,35 ou US$ 290 por habitante. 
Devemos reconhecer que o município está realizando um esforço significativo no setor -gastou em saúde 18,56% das receitas decorrentes de impostos, acima da exigência constitucional de 15%. O município não tem condições de aumentar significativamente esse gasto. Mas é possível otimizar a aplicação dos recursos atualmente alocados em saúde. 
Veja-se, por exemplo, a produção das Amas Especialidades no município. Todas as 11 unidades, operadas por meio de OS, realizaram uma média de exames/dia que variava de 10 (Texima Boa Esperança - ultrassom doppler) a 20,2 (Vila Constancia - ultrassom), quando o parâmetro fixado pela Secretaria Municipal de Saúde foi de 24 exames/dia. O TCM atribui a menor utilização a três fatores: alta taxa de absenteísmo, falta de profissionais e ineficiência na disponibilização de vagas para exames de imagem. 
O problema da grande espera, segundo o TCM, foi gerado pela falta de médicos (das 35 unidades visitadas, 39% apresentavam escalas de médicos incompletas) e pela falta de equipamentos (40,5% dos equipamentos visitados não passaram por manutenções preventivas). São áreas em que o problema principal não é de recursos, mas de organização. 
A resolutividade no sistema de saúde é importante. Não importa apenas que as pessoas sejam atendidas, mas que sejam atendidas com presteza e o problema seja resolvido. 
Um caminho de aprimoramento do sistema é o apoio ao Programa de Saúde da Família. As visitas periódicas das equipes de saúde às diversas famílias poderiam auxiliar, por exemplo, na redução da taxa de absenteísmo. 

ANTONIO CARLOS CAMPINO é professor de economia da FEA-USP 

Ferrovias têm novo marco regulatório

Após 15 anos das privatizações, governo regulamenta operações de direito de passagem e tráfego mútuo, mas pode sofrer contestações na Justiça


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Eduardo Rodrigues / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
Para tentar estimular investimentos privados em mais de metade da malha ferroviária do País, que hoje está sucateada ou subutilizada, o governo publicou ontem um novo marco regulatório para o setor. Mas a estratégia da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em forçar a competitividade nos trilhos, liberando o tráfego nos trechos ociosos para quem estiver disposto a passar com um trem, pode levar as concessionárias a uma corrida à Justiça.
Passados 15 anos desde as privatizações das ferrovias, o governo regulamentou as operações de direito de passagem e tráfego mútuo. As duas regras permitem o uso da capacidade ociosa de uma linha férrea por terceiros, desde que tenham os próprios vagões e trens. Também garantem que uma concessionária possa receber ou entregar cargas na malha de outro consórcio.
O regulamento possibilita ainda que as concessionárias requerentes do direito de passagem possam fazer investimentos de expansão quando não houver capacidade ociosa nos trechos ferroviários em questão. Nesses casos, elas terão direito à reserva dessa capacidade adicional. "Uma das metas é fazer com que as concessionárias usem melhor a capacidade ociosa", afirmou o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo.
Na prática, a medida acaba com o monopólio no uso das ferrovias, fato que deve gerar contestações das empresas que operam as linhas. Mas, para Figueiredo, as novas normas não significam quebra de contratos. "Temos respaldo jurídico. Respeito o direito de concessionárias questionarem na Justiça, mas não acredito que haja fragilidade jurídica no que está sendo feito." Segundo ele, dos 28 mil quilômetros (km) de malha do País, 6 mil km não têm condições de trafegabilidade e outros 10 mil km estão subutilizados, sem circulação de trens.
Embora a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) não tenha se pronunciado sobre a publicação do novo marco, as empresas avaliam que, para eliminar os gargalos da malha existente, seria necessário investir R$ 10 bilhões.
A ANTT também revisou o regulamento que trata dos direitos e deveres das empresas que operam os trilhos e dos usuários desse serviço. Pelas regras, clientes poderão investir nas concessões, seja adquirindo trens próprios ou na expansão e recuperação da malha, podendo negociar uma compensação financeira com a concessionária.
As mudanças incluíram também a criação de metas de produção e segurança no transporte ferroviário, obrigando as concessionárias a apresentarem à ANTT estudos de mercado, planos de negócios, inventários das capacidades dos trechos e registros das operações efetuadas. As metas entram em vigor em 2012.
Enquanto as concessionárias estudam todos os pontos da resolução para possíveis questionamentos judiciais, os usuários de transporte ferroviário comemoram. Com as regras, eles poderão usar - por meio de um operador de transporte multimodal - a malha até então exclusiva às concessionárias. "Isso nos deu um novo alento", diz o presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Cargas, Luis Baldez. Segundo ele, as novas regras vão aumentar a competitividade do transporte, reduzir os custos e elevar a participação do transporte ferroviário na matriz nacional."
Nos bastidores, comenta-se que um dos principais beneficiados pela nova legislação é o empresário Eike Batista. Ele poderá usar a malha ferroviária da MRS para transportar minério de ferro de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. Mas, para Baldez, o marco vai além. Vai trazer avanços para o setor de soja, que nos últimos anos sofreram com a falta de capacidade das concessionárias. "Tivemos graves problemas de atrasos de carga nos portos", afirma Fábio Trigueirinho, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). /COLABOROU RENÉE PEREIRA 

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