TCU identifica conluios de empresas de políticos e de servidores em licitações



Auditoria do Tribunal de Contas em mais de 142 mil contratos com a União revela que, além de parlamentares ignorarem a Constituição e fecharem negócios com governo, funcionários públicos sócios de empresas contratadas integraram comissões de licitação



Rosa Costa - O Estado de S.Paulo
Em matéria de negócios públicos, não são só os parlamentares que dão o mau exemplo e burlam a Constituição. A superauditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 142.524 contratos do governo federal assinados entre 2006 e 2010 mostra que as licitações viraram um jogo de cartas marcadas. A ponto de o TCU ter achado casos em que o governo contratou empresas que têm como sócios os servidores públicos do órgão que fez a licitação.
Pablo Valadares/AE–25/6/2010
Pablo Valadares/AE–25/6/2010
Dados em sigilo. Sede do Tribunal de Contas da União em Brasília: lista com os nomes dos parlamentares não foi divulgada até hoje, apesar de o relatório ter ficado pronto há duas semanas
Mais que isso: em meio a licitações de obras e serviços no valor de R$ 104 bilhões, o tribunal encontrou funcionários públicos que além de serem sócios de empresas que fizeram negócios com a União participaram da comissão de licitação que fez a contratação da própria empresa.
Diante desse descalabro, a auditoria do TCU concluiu que "as irregularidades estão disseminadas entre todos os gestores". A auditoria foi feita entre abril e setembro do ano passado no Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg) e no Comprasnet, principais instrumentos de gerenciamento de todas as licitações e compras do governo federal.
O relatório do TCU menciona, por exemplo, uma licitação ocorrida no 59.º Batalhão de Infantaria Motorizado do Comando do Exército, localizado em Maceió. Dos sete participantes, três possuíam sócio em comum. O administrador de uma das empresas era sócio administrador de outras duas.
Vício generalizado. As fraudes são tantas, tão explícitas, que o TCU alerta para o fato de que outros órgãos públicos, fora do Siasg e do Comprasnet, "acabaram herdando seus vícios".
A auditoria produziu uma lista sigilosa, enviada à Câmara, ao Senado e ao Ministério Público Eleitoral, com nomes de todos os parlamentares que são sócios proprietários de empresas que têm contratos com o governo - o que vedado pela Constituição.
De acordo com o artigo 54, deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público e ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada. Apesar da clareza do artigo, o governo aceita esses negócios desde que o parlamentar se licencie e se afaste da administração cotidiana da empresa.
Digital. Os auditores do TCU citam um caso emblemático: um parlamentar "assinou pessoalmente o contrato (do negócio com o governo) durante o exercício do mandato".
O Estado mostrou em reportagens recentes que os nomes do deputado Paulo Maluf (PP-SP) e do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) estão no documento entregue pelo TCU à Câmara.
Uma empresa de Maluf, a Maritrad Comercial, recebe cerca de R$ 1,3 milhão ao ano do governo federal pelo aluguel do prédio onde funciona a sede da Procuradoria da Fazenda Nacional, em São Paulo. O contrato foi celebrado com "dispensa de licitação".
Empresas de Eunício Oliveira mantêm contratos milionários com a União. A Manchester Serviços Ltda. venceu uma licitação fraudada no valor de R$ 300 milhões na Petrobrás.
A lista com os nomes dos parlamentares não foi divulgada até hoje, apesar de o relatório do TCU ter ficado pronto há duas semanas. Os nomes foram para um anexo classificado como sigiloso e entregue ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP).
Apesar de o TCU não ter quantificado o custo das fraudes para o Erário, o relatório de 70 páginas mostra que os auditores chegaram a detectar casos de "graves indícios de irregularidades", o que obrigou o tribunal a abrir 13 representações. No total, foram identificados 100 mil indícios de irregularidades.
A Câmara informa que tratará da auditoria TCU na próxima semana, no reinício dos trabalhos do Legislativo. O Senado diz que não recebeu a documentação.
O relatório do ministro Valmir Campelo foi aprovado pelo tribunal no início deste mês. O Ministério do Planejamento alegou que não poderia se manifestar sobre a auditoria pois não foi, ainda, oficialmente comunicado do resultado. Sete ministérios foram alertados pelo TCU sobre o número elevado de irregularidades, entre eles o dos Transportes, do Turismo e da Cultura. Os auditores apontam reiteradas vezes a "inconsistência" de informações fornecidas pelos órgãos públicos, "que prejudicam não só o planejamento e a gestão das contratações públicas". 

Deputado, que pôs próprio nome em negócio, recebeu por prova do Enem

Lael Varella, de Minas, atua na área de educação e ganhou R$ 76,2 mil do Tesouro ao ceder espaço para concursos públicos


Marta Salomon - O Estado de S.Paulo
Batizada com o nome do deputado do DEM de Minas Gerais, a empresa Lael Varella Educação e Cultura Ltda. recebeu dos cofres públicos R$ 76,2 mil desde 2003, de acordo com registros do Tesouro Nacional. Pagamentos como esses contrariam a Constituição, como sustenta a auditoria do TCU.
A empresa Lael Varella administra a Faculdade de Minas, na região metropolitana de Belo Horizonte. Recebeu dinheiro da União, na maior parte das vezes, por ceder espaço para a realização de concursos públicos e provas do Enem.
Em recente decisão do TCU, os ministros consideraram que o artigo 54 da Constituição impede parlamentares - ou empresas das quais sejam donos, diretores ou sócios - de receber dinheiro da União. No final da tarde de ontem, Lael Varella informou que passará a empresa para o nome dos filhos e deixará a sociedade. Mais cedo, ele havia negado ser sócio da empresa ou ter recebido pagamentos da União.
Conforme pesquisa de ordens bancárias pagas, feita pela ONG Contas Abertas no sistema mantido pelo Tesouro Nacional, em 2003 a empresa Lael Varella recebeu R$ 48.731 pela recompra de títulos da dívida pública emitidos para financiar estudantes. Nos anos seguintes, até 2011, a empresa recebeu pelo aluguel de suas instalações para a realização de concursos.
Defesa. "Foram pagamentos pela prestação de serviços, a instituição tem o nome do deputado porque ele é o patriarca da família e só entrou de sócio em julho de 2010", informou Paulo César Rodrigues, advogado do grupo.
A empresa está registrada na declaração de bens de Lael Varella entregue à Justiça Eleitoral. O deputado foi reeleito para o sétimo mandato no ano passado e tem participação societária em outras quatro empresas.
Questionado pelo Estado, o deputado primeiro negou que a empresa tivesse recebido dinheiro da União. "De mais em mais, não me consta que seja sócio da Lael Varella Educação e Cultura", disse. Confrontado com as informações registradas no Tribunal Superior Eleitoral, o deputado assentiu: "Tudo bem, posso ser sócio, mas a empresa não recebeu o dinheiro".
Mais adiante na conversa, pediu que a reportagem procurasse o administrador das empresas: "Não sei que valores são esses, tenho sete mandatos, não me envolvo em cobrança de porcentuais e minha declaração de bens é muito bonita".
A história parlamentar de Varella está associada à confusão entre negócios públicos e privados. A fundação Cristiano Varella, que administra o hospital do câncer de Muriaé, recebeu R$ 31,3 milhões entre 1998 e 2006. O dinheiro financiou a construção do hospital e seus equipamentos. Só por meio de emendas parlamentares do deputado e seus colegas, o hospital administrado pela família de Varella recebeu R$ 24 milhões. 

Brasileiro não abre mão do arroz e feijão, mas alimentação tem baixo teor nutritivo

Pesquisa do IBGE mostra que 61% da população ultrapassa a recomendação do Ministério da Saúde com relação à ingestão de açúcar


rAlexandre Rodrigues, Clarissa Thomé e Daniela Amorim, de O Estado de S. Paulo
RIO - O brasileiro combina a tradicional dupla feijão e arroz com carne e uma seleção de alimentos de alto índice calórico, mas de baixo teor nutritivo. E ainda abusando do sal e do açúcar. É o que revela a Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, estudo realizado pela primeira vez pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir de uma subamostra de domicílios da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009).
O alimento mais ingerido no País é o café, que lidera o ranking da média de consumo diário per capita de itens avaliados pelo IBGE. Em média, cada pessoa bebe todos os dias 215,1 ml. O feijão é o segundo da lista, com um consumo diário médio de 182,9 g. A pesquisa mostra que os brasileiros consomem um pouco menos de arroz, cerca de 160,3 gramas, mas recorrem ao alimento com maior frequência em relação ao feijão.
Para realizar a pesquisa, o IBGE pediu a 34 mil moradores de 13,5 mil domicílios selecionados em todo o País que registrassem o seu consumo diário de alimentos em dois dias não consecutivos. O consumo de arroz foi reportado por 84% dos entrevistados em pelo menos um dos dias avaliados, enquanto o de feijão apareceu em 72,8% das comunicações. Já o consumo de carne bovina foi relatado por 48,7%.
O levantamento também mostrou que, em quantidade, o brasileiro está comendo mais carne do que pão. O consumo médio per capita de carne bovina é de 63,2 gramas por dia, enquanto que o de pão de sal (francês) é de 53,0 gramas. O alto consumo de proteína é um aspecto aparentemente positivo, se não for considerado que é uma média. Há uma parcela da população comendo mais carne do que outras. Curiosamente, o maior consumo de carne não está entre os 25% mais ricos, mas na fração intermediária da população com rendimento per capita entre R$ 571 e R$ 1.089: quase 71 gramas por dia.
O consumo de pão integral, mais saudável do que o francês, é de menos de um grama diário. A pesquisa mostra que os alimentos mais ricos em fibras, nutrientes e livres de elementos como gorduras saturadas têm consumo baixo entre os brasileiros, sobretudo os adolescentes, que preferem sanduíches, biscoitos e pizzas.
O consumo calórico diário médio do brasileiro determinado pela pesquisa é de 2.044 Kcal. Os homens são os que mais ingerem calorias (2.289 Kcal na faixa dos 14 a 18 anos) e colesterol (231,1mg a 282,1mg em todas as faixas etárias). O consumo energético dos idosos é o mais baixo, em ambos os sexos: entre 1.490 kcal e 1.796 kcal/dia. Pouco mais de 40% dos entrevistados reportou comer pelo menos uma vez no dia fora de casa, mas essa fonte de alimentação representa, em média, 16,2% do consumo energético total diário do indivíduo.
Menos de 10% da população atingem as recomendações do Ministério da Saúde de ingerir pelo menos 400 gramas diárias de frutas, verduras e legumes. Apenas 16% dos entrevistados reportaram ter comido salada crua em pelo menos um dos dois dias avaliados.
Já o abuso do açúcar está no cotidiano dos 61% da população que ultrapassam a recomendação de ter nesse item a fonte de no máximo 10% da ingestão calórica total diária. A média brasileira é 14%. Esse limite é ultrapassado pela média de todas as faixas etárias. No caso dos adolescentes de 10 a 13 anos, o açúcar chega a representar 21,3% do consumo calórico total. Por outro lado, são eles os que menos consomem salada crua: 8,8 gramas por dia contra 16,4 gramas dos adultos e 15,4 gramas dos idosos.
Essa alta inadequação do brasileiro em relação ao açúcar pode ser expressa na grande ingestão de refrigerantes e sucos e refrescos em pó. Os brasileiros bebem, em média, 94,7 ml de refrigerantes por dia. Já o consumo diário de sucos e refrescos, outra fonte de açúcar, chega a 145 ml em média. Tendo em vista que o consumo dos dois grupos só foi reportado por 23% e 40% da amostra, respectivamente, a ingestão de quem tem esses produtos no cotidiano é bem maior. Óleos e gorduras aparecem na comunicação de 37,8% da amostra.
O trabalho mostrou ainda que o brasileiro também abusa do sal. A média populacional de ingestão de sódio no Brasil ultrapassa 3.200 mg. O Ministério da Saúde recomenda que esse teor fique em 2.300 mg diários. A causa está no elevado consumo de itens processados, especialmente entre as classes mais altas. Já o consumo de fibras fica abaixo do recomendado, principalmente entre os que reportam consumo de salgados, refrigerantes, biscoitos e pizza.
Essas e outras inadequações alimentares foram detectadas pela pesquisa em todas as regiões do País, o que ajuda a estimar a proporção da população que pode estar prejudicando a saúde alimentando-se fora dos padrões recomendados.

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