Professor é premiado por trabalho de psiquiatria


Docente da UFSCar fez pesquisa que aponta uma morte a cada três dias em hospitais psiquiátricos da região



A pesquisa que apontou que a cada três dias um paciente morre dentro dos sete hospitais psiquiátricos da região de Sorocaba rendeu ao professor Marcos Garcia, do campus Sorocaba da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), o 4º Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos, recebido na semana passada. O docente foi o responsável pelo estudo em conjunto com o Flamas (Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba).“Esta premiação prova que o trabalho tem sustentação  e que é preciso repensar a situação do atendimento aos pacientes psiquiátricos na região de Sorocaba, considerada o maior polo manicomial do Brasil”, diz.

O resultado da pesquisa gerou grande repercussão nacional no ano passado, pois mostra estatísticas alarmantes.
De acordo com o estudo, a mortalidade calculada em óbitos/mês para cada mil internos na região, foi de 3,025 no período entre 2004 e 2011, sendo 118% maior do que a dos outros 19 manicômios do Estado com mais de 200 leitos, que registraram 1,386 óbitos/mês.

Além disso, o professor destaca que a pesquisa aponta que a média de idade dos pacientes falecidos  ficou em 53 anos, resultado significativamente menor ao restante das instituições paulistas, que é de 62 anos.
Segundo Marcos, assim que a primeira parcial do trabalho foi divulgada, ainda no início de 2011, ele foi obrigado a enfrentar diversas tentativas de desqualificação da pesquisa. A última delas Marcos diz que até o momento não foi noticiado oficialmente, mas afirma que trata-se de um processado movido por seis  hospitais psiquiátricos privados da região: Vera Cruz, Mental e Teixeira Lima (Sorocaba), Vale das Hortências (Piedade) e Clínica Salto de Pirapora e Santa Cruz (Salto de Pirapora). “Eles alegam que divulguei dados equivocados, o que teria causado danos morais e financeiros”, conta.
O professor, no entanto, destaca que já apresentou a pesquisa em vários congressos nacionais e se prepara para iniciar a internacionalização do trabalho no próximo Congresso Internacional da Saúde Mental e Direitos Humanos, que será realizado em novembro, em Buenos Aires,  Argentina, o que comprova a seriedade das informações apresentadas.“Essa ação na Justiça é descabida de embasamento, já que todos os dados da pesquisa forma obtidos no Datasus, sistema do próprio Ministério da Saúde”, explica. “É uma iniciativa clara de tentar censurar a liberdade de pesquisa e abre um precedente perigoso no Brasil.”
Auditorias/A repercussão da pesquisa deu abertura para auditorias conduzidas pela Secretaria de Saúde de Sorocaba nos quatro hospitais psiquiátricos da cidade: Jardim das Acácias, Mental Medicina, André Teixeira Lima e Vera Cruz.

No relatório final, entre outras constatações, a unanimidade ficou por conta do número insuficiente de funcionários para o atendimento dos pacientes, além da demora no encaminhamento dos enfermos para tratamento nos hospitais gerias.
O BOM DIA tentou entrar em contato com os representantes dos hospitais citados, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Rede municipal faz ao mês 32 mil atendimentos
Segundo nota divulgada pela SES (Secretaria da Saúde de Sorocaba), o modelo de atenção à saúde mental adotado na rede municipal não é focado na internação e que a cidade possui uma rede de saúde mental composta por 11 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e três ambulatórios, que fazem uma média de 32 mil atendimentos/mês.
A área é servida ainda por 20 residências terapêuticas, onde vivem   90 pessoas que anteriormente moravam em hospitais psiquiátricos. Há ainda 19 rodas de terapia comunitária espalhadas por todas as regiões de Sorocaba.  Além disso, desde junho de 2011 entrou em vigor o Programa entre Nós, que faz a articulação de rede de todos os serviços de saúde mental aos CRAS e CREAS, UBSs, Grupo de Mútua Ajuda, entre outros, e estão em implantação ainda o CAPS III e a Casa de Acolhimento Transitório Infanto-Juvenil.
Graças a essa rede de serviços, Sorocaba reduziu em 51% o número de novas internações em hospitais psiquiátricos entre 2005 e 2010, e que tem apresentado queda anualmente.
Tratamento não deve ser a simples internação
Para um dos fundadores do Flamas (Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba), o psicólogo Lúcio Costa, a internação de pacientes tem sido vista com um problema a ser resolvido na região de Sorocaba, já que há muito tempo deixou de ser considerada uma forma de tratamento. Ele lembra que a lei 10216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) deixa claro que a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

De acordo com Lúcio, a mesma lei diz ser vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares. “Mas já tivemos casos de pessoas que moram há 40 anos em um hospital de Sorocaba e uma criança que entrou com 8 anos e que hoje, aos 15, ainda permanece internada. Como uma tratamento pode demorar tanto tempo?”, questiona.
Para o psicólogo, a própria estatística de diminuição de vagas no país mostra que a tendência é o fim dos manicômios. Segundo ele, no final da década de 1970, o Brasil tinha 100 mil vagas em hospitais psiquiátricos e hoje são apenas 30 mil”, afirma. “Por aí dá pra perceber que a tendência é acabar com esse tipo de tratamento, mas parece que em Sorocaba isso não tem prazo para acontecer”.
Hospitais alegam falta de método e processam Garcia
Os hospitais e clínicas psiquiátricas Salto de Pirapora, Teixeira Lima, Santa Cruz, Vale das Hortências, Mental e Vera Cruz entraram com pedido de ação indenizatória contra o pesquisador Marcos Roberto Vieira Garcia e Lúcio Costa, responsáveis pelo Levantamento de Indicadores sobre os Manicômios de Sorocaba e Região, do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas) em outubro do ano passado.
De acordo com o comunicado enviado aos jornais naquela época pelos hospitais psiquiátricos, o grupo antimanicomial fez acusações com a “falsa premissa” de que o número de óbitos seria muito maior que a média do Estado. “Tais informações foram repassadas para a imprensa e, lamentavelmente, o nome e a imagem dos diretores e das instituições sofreram abalos e, certamente, estes levarão tempos para se recuperar, se é que isso ocorrerá de forma plena.”
Os estabelecimentos tomaram por base vários fatos que teriam derrubado a argumentação do Flamas. Um deles é um trabalho do doutor José César de Laurentiz, especialista em psiquiatria, administrador hospitalar e de sistemas de saúde, que foi apresentado à Câmara Municipal. Ele contesta a metodologia do levantamento, alegando não haver conteúdo científico. Os julgadores que agora deram o prêmio ao professor Garcia, discordam.
O QUE REVELA A PESQUISA
863
mortes foram contabilizadas nos manicômios da região de Sorocaba
entre 2004 e 2011
R$ 40 mi 
é o repasse anual do SUS entre os sete hospitais da região de Sorocaba

80%
dos pacientes dos hospitais psiquiátricos da região de Sorocaba vivem nas instituições a mais de um ano
R$ 35
é a diária paga pelo SUS por paciente de cada instituição
Número de leitos
A região de Sorocaba responde por 2.792 leitos, quase 10% dos cerca de 30 mil de todo o país.
Voce sabia?
Que o nome do prêmio conquistado pelo professor Marcos Garcia é uma referência ao escritor Austregésilo Carrano Bueno, que lutou pelo fim dos manicômios no Brasil e cuja obra autobiográfica "Canto dos Malditos" foi adaptada para o cinema como "Bicho de sete cabeças"
Reconhecimento
O Flamas foi a primeira organização anti-manicomial a ganhar o Prêmio Direitos Humanos, a mais alta condecoração do Governo Brasileiro, na categoria “Enfrentamento à Tortura”.
R$ 35
é a diária paga pelo SUS por paciente de cada instituição

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