Nos discursos
de posse dos novos e seminovos prefeitos da região, ouvimos que os seus
respectivos governos priorizarão, entre outras coisas, a educação. Sabemos que
essa fala não é nova e desde a redemocratização os inúmeros gestores empossados
enfatizam a importância da formação escolar das crianças e jovens para o desenvolvimento
do país. No entanto, quando analisado em seus pormenores, notamos algumas
vicissitudes no discurso atual em prol da educação pública. Vejamos!
Nos
anos oitenta, a discussão sobre a educação pública pautava-se na “expansão da
rede de ensino” e “merenda escolar”. Isto é, não havia vaga suficiente para
todos os estudantes e a alimentação fornecida aos alunos era inadequada. Hoje,
mais de 95% das crianças e adolescente de 6 a 15 estão matriculados no ensino
fundamental (1º ao 9º ano) e, em muitos casos, esses brasileirinhos vão para a
escola atraídos, justamente, pela refeição oferecida.
Nos
anos noventa, o debate centrou-se no fornecimento de “material didático” para
que os estudantes acompanhassem as aulas e na adoção de “metodologias de
ensino” mais adequadas. No que se refere ao primeiro ponto, é recorrente nos
jornais notícias sobre escolas públicas descartando em terrenos baldios ou
vendendo para ferro velho toneladas de livros didáticos. Desta trágica história
tupiniquim concluí-se que parte do problema de falta de livros foi superada,
porém, criou-se outro. Sobre os métodos de ensino e aprendizagem, os
especialistas afirmam que as escolas brasileiras desenvolvem não um
procedimento específico, mas uma mescla de várias metodologias de acordo com a
particularidade dos alunos, da região e da formação do corpo docente. Ou seja,
nas escolas do país encontramos simultaneamente: Montessori, John Dewey,
Piaget, Vygostsky, Emilia Ferreiro, Howard Gardner, Paulo Freire, entre outros.
Apesar
dessas mudanças e conquistas inegáveis no setor, uma das principais metas da
educação básica e pública brasileira ainda não foi alcançada: a qualidade de
ensino. Acreditava-se que o acesso à escola, o fornecimento de alimentação, a
utilização de livros didáticos de autores reconhecidos e adoção de novos
métodos pedagógicos promoveriam, quase que automaticamente, a melhora na
educação. No entanto, isso não se concretizou. Os vários instrumentos de
avaliação confirmam o triste quadro. A última Prova Brasil - sistema de
avaliação da educação básica criado pelo Ministério da Educação - demonstrou
que mais de 50% dos estudantes do 9º ano (antiga 8ª série) não conseguem
interpretar textos de baixa complexidade e realizar cálculos de porcentagem. No
Pisa, programa internacional de avaliação de alunos - visa medir a capacidade
dos jovens de 15 anos nos quesitos leitura, compreensão textual, matemática e
ciências –, o Brasil ocupa a 53ª posição entre 65 países participantes. Estamos
atrás, não apenas dos países ricos, mas da Colômbia, México e Uruguai.
Mas
então, qual seria a medida necessária para desenvolver de fato a educação
básica e pública brasileira? Como apontado por muitos analistas, não seria uma
medida, mas uma série de ações que possibilitaria a real melhora da qualidade
de ensino das escolas públicas. Entretanto, uma das ações fundamentais, e que
até o momento não foi realizada de forma sistemática, é reconhecer a
importância do profissional da educação, isto é, valorizar o professor de modo
que a carreira se torne atrativa, tanto do ponto de vista financeiro quanto do
reconhecimento da sociedade.
Dessa forma,
ampliar o tempo de permanência do aluno na escola (ensino integral), reduzir o
número de estudantes por sala (até 25 alunos) e adotar sistemas de ensino diversos
(ex. Sistemas Objetivo, Positivo, SESI), como alguns novos e seminovos
prefeitos da nossa região estão vociferando, ajudam a desenvolver a educação,
mas ainda não toca no principal problema: o capital humano. E este só irá
melhorar quando for valorizado. Quando falamos em valorização, temos em mente
uma remuneração decente e a melhora nas suas condições de trabalho. Essas
ações, por si só, provocarão uma reação em cadeia no campo educacional, isto é,
uma maior motivação daqueles que estão na ativa e a atração de muitos
educadores que abandonaram a carreira devido às precárias condições de
trabalho.
Portanto,
o gestor que pretende de fato melhorar a educação pública de seu município
deve, de início, atualizar a sua visão sobre o tema. Em outras palavras,
refletir e concluir que o problema na educação básica brasileira não está mais
na construção de novas escolas, fornecimento de merendas e livros didáticos ou
nos intermináveis debates sobre metodologia de ensino, mas na valorização do
seu capital humano. Por conseguinte, propagar qualidade de ensino sem
possibilitar qualidade de e no trabalho para os principais responsáveis pela
formação das crianças e adolescentes é semelhante a construir um castelo de
areia: aparentemente bonito, porém, não se sustenta.
Rogério S. Silva. Prof. Dr. de Sociologia na UNISO.
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