Sorocaba:Aids ainda é sinônimo de mortes e preconceito


Falta de prevenção e desistência do tratamento são algumas das causas da mortalidade

 

Rosimeire Silva
rosimeire.silva@jcruzeiro.com.br
 

Há exatos trinta anos a comunidade científica trouxe à tona a descoberta de um vírus capaz de atacar o sistema imunológico de seres humanos e levar à sua morte: o HIV, causador da aids. Três décadas depois, a síndrome da imunodeficiência adquirida continua a fazer novas vítimas, mas o principal desafio a ser superado continua sendo o preconceito. Em Sorocaba, a cada ano, de 15 a 20 pessoas morrem em decorrência da doença e cerca de 110 novos pacientes são diagnosticados como soropositivos, uma média que vem se mantendo nos últimos dez anos. 

De acordo com levantamento do Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/Aids), da Secretaria de Saúde de Sorocaba, desde 1984 foram diagnosticados oficialmente no município um total de 3.409 pacientes com aids. Somente neste ano, já foram 35 novos casos. Mas esse número pode ser muito maior. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que a aids atinja o equivalente a 1% da população, o que corresponde a cerca de 7 mil pessoas infectadas em Sorocaba. A médica infectologista Rosana Maria Paiva dos Anjos, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, e que há quase trinta anos atua na implantação de programas de tratamento e prevenção à aids, reconhece que ainda hoje muitas pessoas deixam de fazer o teste com medo de ter que enfrentar o diagnóstico positivo da doença. 

Apesar do teste de HIV ser oferecido gratuitamente pela rede pública de saúde, que garante - inclusive -, todo o sigilo em relação à identidade dos pacientes, Rosana afirma que ainda existe uma resistência por parte de uma grande parcela da população em se submeter ao exame, em função do estigma que envolve a aids. "Muitas pessoas acabam descobrindo que estão com aids durante o tratamento de outras doenças graves, que são decorrentes do HIV e acabam morrendo." Em Sorocaba, no ano passado, foram realizados 22.447 testes de HIV na rede municipal de Saúde, sendo que deste total 161 foram diagnósticos positivos. 

A presidente do Grupo de Educação à Prevenção Contra a Aids em Sorocaba (Gepaso), Maria Lucila Magno, que há quase 30 anos também milita no movimento de apoio aos pacientes e seus familiares, acredita que o preconceito que envolve a aids ainda é o grande desafio a se enfrentar e superar. "Contra esse mal é difícil prever quando iremos conseguir superar, mas continuamos lutando." Lucila reconhece, no entanto, que nessas três décadas em que a aids passou a desafiar a ciência, houve muita evolução, especialmente no que se refere ao tratamento e na garantia de direitos a seus portadores. 

O divisor de águas nesse processo aconteceu em 1996, quando surgiu o coquetel antiaids, que passou a dar uma sobrevida maior aos pacientes. O médico José Ricardo Pio Marins, que acompanhou toda a implantação do Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis em Sorocaba e que atualmente atua como coordenador geral do programa de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, diz que até o surgimento do coquetel, a aids era considerada uma doença letal. Hoje, afirma ele, graças a evolução do tratamento, houve uma mudança na percepção da aids, que passou a ser considerada uma doença crônica degenerativa e não mais um fator de redução da vida. "Se a pessoa fizer o tratamento adequadamente, sem interrupção, ele poderá ter uma sobrevida como de qualquer outra pessoa portadora de uma doença crônica, como diabetes ou hipertensão." Em Sorocaba, atualmente, 1.050 pacientes soropositivos recebem o coquete antiaids, fornecido gratuitamente pelo Serviço de Assistência Médica Especializada (Same). 

Desafios 

Apesar da comprovada eficiência no tratamento proporcionado pelo coquetel antiaids, existe um fator que ainda é considerado um desafio para os especialistas, que é fazer com que os pacientes sigam ininterruptamente com o tratamento, mudando a sua rotina e enfrentando os seus efeitos colaterais. A infectologista Rosana dos Anjos considera que apoio psicológico aos pacientes em tratamento é questão que precisa ser ampliada. Ela cita que em uma pesquisa recente realizada para apurar as causas que têm levado à morte pacientes em tratamento de aids ficou demonstrada que a maioria deles ainda morre em decorrência da evolução da doença, pelo fato de terem abandonado o tratamento. "Esse problema existe em todos os grupos de pacientes com doenças crônicas, o problema é que no caso da aids quando o medicamento deixa de ser tomado, a doença evolui muito rapidamente e leva à morte. Por isso, é necessária uma atenção maior à saúde mental desses pacientes, para que eles consigam enfrentar todos os estigmas e efeitos colaterais que envolvem a doença e persistam no tratamento." 

Rosana cita como exemplo o caso da paciente Luciane Aparecida Conceição, que foi a primeira criança a receber o coquetel antiaids, quando ainda tinha oito anos. Com a ajuda dos medicamentos, Lu, como era conhecida, conseguiu levar uma vida normal, casou e teve uma filha que nasceu em 2008 sem o vírus. No entanto, em outubro do ano passado, ela acabou morrendo em decorrência da aids porque havia deixado de tomar regularmente o remédio. "Infelizmente esse não é um caso isolado, há pouco tempo um adolescente que estava em tratamento também deixou de tomar o medicamento depois de uma briga com a namorada e também morreu", relata. 

Como parte de iniciativas que buscam oferecer uma melhor qualidade de vida aos pacientes com aids, há cerca de três anos, o Gepaso investiu na criação de uma academia voltada especialmente a esse grupo, para que eles pudessem ganhar mais massa muscular. "Além da melhora clínica, a academia tem contribuído e muito para melhorar a autoestima e também a socialização dos pacientes e, consequentemente, na sua qualidade de vida", afirma a presidente da entidade. Atualmente, 90 alunos estão matriculados na academia e outros só aguardam a liberação médica para começarem a frequentar. 

Prevenção 
A prevenção é outra questão que ainda desafia os profissionais da área de saúde. Mesmo depois de trinta anos de debates e exposições sobre as formas de transmissão da doença, a presidente do Gepaso reconhece que existe uma certa resistência de parte da população de se prevenir contra a aids. "Depois de todos esses anos, a expectativa era de que houvesse uma tendência de estabilização no número de casos e até um decréscimo, mas o fato é que a aids ainda não está sob controle, pois a cada ano aumenta o número de casos e mortes provocadas pela doença", constata a infectologista Rosana dos Anjos. 

O médico Ricardo Pio Marins afirma que estudos recentes demonstram que houve uma redução no uso de preservativos por parte da população jovem, que é justamente o grupo com maior incidência da doença. Em Sorocaba, de acordo com a Secretaria da Saúde, a faixa etária com maior número de casos está entre 20 e 49 anos, sendo que as pessoas heterossexuais são as que predominam. "O sexo seguro, com preservativo, é a forma mais eficiente de prevenção. É preciso que cada um se cuide", alerta Lucila. 

Cura 
Depois de trinta anos da identificação do HIV, a possibilidade de cura da doença é um tema que enche de esperança quem atua na área. Na avaliação de Ricardo Marins, este é um dos grandes desafios a partir dessa terceira década de controle da doença e que pode ocorrer em breve, diante dos modelos de coquetéis que já estão sendo alvo de estudos por parte dos cientistas. Essa expectativa também é compartilha pela infectologia Rosana dos Anjos, que considera que essa cura deverá estar relacionada à uma maior precocidade no tratamento. "Hoje esperamos que o paciente apresente um determinado quadro para entrarmos com a medicação, mas os estudos têm indicado que a chance de cura pode ser maior se o tratamento começar a ser ministrado logo no início". Ela não considera, no entanto, que a cura se reflita na erradicação da doença. "A erradicação só tem como caminho a prevenção e perseverança no tratamento", argumenta.

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