Giam Miceli: Defender “escola sem partido” é ignorância sem tamanho


31 de maio de 2016 às 11h38

frota e mendoncinha
O Ministério da Educação em Prol do Retrocesso
por Giam C. C. Miceli, especial para o Viomundo
A visita de Alexandre Frota e do líder do grupo, seita, ou qualquer outro nome, Revoltados Online, Marcello Reis, ao Ministério da Educação, gera muitas questões que, por motivos de honestidade e de real preocupação com os rumos da educação, sobretudo pública, devem ser publicadas.
Em uma filmagem postada pelos dois sujeitos anteriormente citados, nota-se o motivo da visita: promover o partidário “Escola sem Partido” .
Trata-se de um projeto vazio, sem maiores definições, que atua, de forma arbitrária e pouco inteligente, com base na criação de um estereótipo: professor doutrinador (?).
A apresentação do site diz:
A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo.
Um primeiro ponto questionável: o uso das aspas em “visão crítica” é indevido, na medida em que não existe visão crítica certa ou errada. Ela é relativa.
Além disso, temos total liberdade e respaldo legal para que essa visão crítica seja exposta.
A visão crítica é um atributo de toda e qualquer pessoa provida da capacidade de observar e analisar um determinado fato, fenômeno ou processo.
O segundo ponto: um “exército organizado de militantes travestidos de professores”.
Esse exército, na verdade, não existe.
Quem trabalha em escolas públicas e particulares percebe as diferentes visões políticas ali existentes.
Inclusive, é notória a presença de docentes conservadores, com visão de mundo individualista, discurso meritocrático, visão naturalizada de injustiças diversas e base cultural rasteira.
O terceiro ponto: “cortina de segredo das salas de aula”.
É importante lembrar que vivemos a era da internet e dos celulares. Qualquer aluno/a, hoje, pode gravar, filmar, enfim, registrar o que é dito em sala de aula. E aquilo que é dito pode ser difundido instantaneamente, através das redes sociais.
Além disso, vale lembrar a precariedade de muitas escolas das diversas redes públicas.
Essa precariedade impede que salas de aula tenham portas, o que faz com que diversos alunos, professores e funcionários escutem aquilo que é dito.
Os três pontos anteriormente citados mostram que os autores e autoras do projeto “Escola sem Partido” desconhecem completamente o funcionamento de uma escola, criam uma representação totalmente equivocada de professores e professoras, além de ignorarem por completo a legislação educacional.
Uma rápida visita ao site do projeto nos faz recordar do genial Umberto Eco, quando diz que “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade.”
Com base na visita realizada, bem como no teor da mesma, cabe publicar alguns questionamentos pertinentes:
1 — Será que o atual ministro da educação, Mendonça Filho, que recebeu prontamente uma pessoa que, em um programa de auditório, confessou e narrou um estupro , receberia docentes realmente aptos ao debate educacional?
2 — Falar em “Escola sem Partido” e em “doutrinação” consiste em uma ignorância sem tamanho, na medida em que se despreza a existência de redes (redes municipais, redes estaduais e rede federal) de ensino, além das escolas privadas. Alegar, portanto, que a educação brasileira está dominada pela “ideologia do comunismo” significa desconhecer o fato de que as redes municipais e estaduais são mantidas pelos mais diversos partidos políticos.
Já que o assunto é ideologia e uma suposta necessidade de neutralização política de escolas, docentes e discentes, é fundamental citar o seguinte acontecimento:
trabalho em uma rede municipal de ensino, cujo governo é do PMDB, um partido que simboliza o atual avanço conservador. O governante, no início de seu mandato, distribuiu quadros com suas próprias fotos, para que estes fossem pendurados em partes visíveis da escola. Na escola em que trabalho, por exemplo, o quadro fica exposto na secretaria.
Cabe lembrar, também, o que os candidatos de partidos que representam o atual avanço conservador fazem em períodos de campanha, o que inclui propaganda política nas proximidades de estabelecimentos escolares em horário de aula.
3 — A proposta de uma “Escola sem Partido” é ilegal, na medida em que atropela a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei N. 9394/96 -, que prevê a liberdade de pensamento e de concepção pedagógica, prevista em seu Artigo 3º.
Isso quer dizer que todos os professores e professoras têm o direito de assumir um posicionamento político e de abraçar uma concepção pedagógica. Os conservadores podem até reclamar, mas admirar a obra de Paulo Freire é direito garantido por lei.
4 — Se realmente houvesse preocupação com a educação, temas pertinentes teriam sido discutidos: até quando as redes educacionais serão comandadas por detentores de cargos de confiança, sem a aprovação da comunidade escolar e, muitas vezes, sem a competência minimamente necessária? Como investir em alternativas de avaliação que realmente avaliem e que deixem de ter cunho classificatório? De que modo podemos pensar em currículos que valorizem a diversidade, a identidade e a diferença? Como fazer com que a escola deixe de ser um espaço de produção de mão de obra barata, sub-qualificada e obediente? Como desenvolver uma escola para a tolerância e para o debate maduro e sério?
Essas e outras questões – não há a menor dúvida sobre a incapacidade, desqualificação e falta de lastro de Alexandre Frota, bem como de qualquer membro ou admirador do grupo Revoltados Online, o que inclui, vergonhosamente, alguns colegas docentes – são pertinentes e precisam adentrar o campo das políticas educacionais e das políticas públicas.
Giam C. C. Miceli é mestre em Educação e professor de Geografia em Itaboraí, no Estado do Rio de Janeiro. 
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