Doria corta aulas de artes maciais de programa que atende mais de 15 mil pessoas

TESOURÃO

Comunidade cria abaixo-assinado pedindo para prefeito manter programa, que beneficia população de baixa renda em 46 centros esportivos municipais desde 2014
por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 25/08/2017 09h45
ACERVO PESSOAL/ADRIANA RAMOS
CE
Turma de kickboxing dos Clubes Escola Cambuci e Ipiranga, onde Adriana fazia suas aulas até a última sexta-feira
São Paulo – Alunos, pais e professores estão se mobilizando para impedir que a gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), encerre as atividade do Programa Temático de Artes Marciais, que beneficia milhares de pessoas em 46 centros esportivos municipais em toda a cidade. Desde a última sexta-feira (18), alunos de pelo menos sete unidades foram comunicados do encerramento das atividades. Em outros locais já há informações extraoficiais de que as aulas vão ser encerradas já no final deste ano.
Aluno do Balneário Jalisco, na Vila Santa Catarina, zona sul da cidade, Wellington Pereira Silva frequentava há um ano as aulas de jiu jitsu, kickboxing e judô. Na semana passada foi avisado pelo professor que as aulas seriam encerradas. "Estava pensando em disputar campeonato, estava me encontrando na luta. Estava praticando de tarde até a noite", contou o jovem, morador da favela Vietnã.
"É muito triste. Eu e outros jovens não temos como fazer essa atividade num local pago. A gente estava se preparando para disputar um campeonato e o professor está mantendo as últimas aulas de forma voluntária, pra gente não perder o evento", contou Wellington. Como os contratos de cada local e modalidade foram firmados em separado, há unidades que mantêm determinadas modalidades já encerradas em outros.
Em março do ano passado, havia 15 mil inscritos no programa, segundo informações da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Recreação. Participantes falam em 27 mil pessoas, atualmente. A prefeitura paga um subsídio para os professores pelas aulas. Porém, muitos locais não tinham qualquer estrutura além das salas – faltam tatames, quimonos, luvas –, assim como os alunos não recebem nenhum apoio para participar de campeonatos.
"Em muitos locais, as famílias dos alunos se ajudaram para comprar o que faltava. Eu mesmo, muitas vezes levei equipamento próprio para conseguir que todos participassem das aulas. Tem gente muito boa, que pode ser atleta, que pode competir, mas não tem chance sem um equipamento público. Esse também é um importante programa de inclusão social, tem jovens que eram usuários de drogas, pessoas que estavam deprimidas e se recuperaram", relatou um professor, que pediu para não ser identificado. 

Terapia

As unidades onde o corte de algumas modalidades já foi oficializado, além do Balenário Jalisco, são o Balneário Carlos Joel Nelli (Ipiranga), onde foram encerradas as aulas de karatê, kickboxing e tai chi chuan; mesma situação do Centro Esportivo Ryuso Ogawa, na Vila Guarani; o Centro Esportivo Rubens Pecce Lordello, no Cambuci, onde foram encerrados Muai Thay e jiu-jitsu; o Centro Esportivo Alfredo Inácio Trindade, no Jardim São Paulo, que perdeu as atividades de Muai Thay e kickboxing; o Clube Escola Vicente Ítalo Feola, na Vila Machester, onde acabou o Muai Thay; e o Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador (Ceret), no Tatuapé, onde foi encerrado o kickboxing. No entanto, segundo os participantes, todas as unidades estão com o programa em vias de ser encerrado. 
Alunos e familiares criaram um abaixo-assinado pedindo que a prefeitura não acabe com as aulas de artes marciais. "Para muitos essa é uma possibilidade de ter uma profissão desde cedo, estando longe da rua, das drogas e de qualquer tipo de marginalização. Há adultos e idosos que encontram uma terapia nas artes marciais, além de saúde física, disposição e defesa pessoal. São inúmeras as razões que nos levam à indignação e protestos contra o encerramento do Projeto Temático de Artes Marciais. Precisamos continuar contando com os clube-escola do município de São Paulo para seguir com nossos treinos e trabalhos", diz o documento.
A revisora de texto Adriana Ramos Correia pratica o kickboxing desde 2013. Em 2014, após o encerramento da atividade no Ginásio Estadual Mauro Pinheiro, começou a frequentar as aulas do programa municipal. "Procurei particular, além de caro, achei os treinos muito leves. Comecei a treinar novamente no clube escola e descobri que podia treinar em outras unidades. Comecei a frequentar o Cambuci. Estava sendo sensacional, melhora saúde física e psicológica. Trabalho o dia inteiro sentada, em frente ao computador", relatou.
Adriana ressaltou que ela não tinha o intuito de disputar campeonatos, mas várias pessoas na sua turma sim. Em 2015, a turma participou da Virada Esportiva, apresentando a modalidade no Estádio do Pacaembu. "A atividade física, sobretudo o kickboxing, me ajuda muito", destacou.
Pai de três meninas que praticam judô no Clube Escola Vicente Ítalo Feola, o despachante aduaneiro André Luiz da Silva dos Santos teme que as atividades se encerrem em breve. "O sansei (professor) disse que o contrato vai até novembro. E tem a possibilidade de encerramento. Demorou anos para deixar o clube como está hoje, com atividades, reformas de salas e equipamentos. São atividades que tiram crianças, adultos e idosos da ociosidade. E até de drogas. Tem modalidades olímpicas, os atletas brigando para ter mais incentivos e ele (o prefeito João Doria) cortando estruturas prontas e que estão funcionando", lamentou.
O programa, criado em 2014 na gestão de Fernando Haddad (PT), oferece aulas gratuitas de boxe, karatê, judô, capoeira, jiu-jitsu, taekwondo, tai-chi-chuan, kung-fu e kickboxing. A maior parte dos professores são praticantes profissionais das modalidades, contratados a partir de parcerias com as federações e confederações organizadoras de cada arte marcial. A atividade atende crianças a partir de quatro anos, com exceção do boxe e kickboxing, a partir de 10 anos, e tai-chi, a partir dos 17 anos. Não há idade máxima.
Até o fechamento da reportagem, a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação não havia respondido os questionamentos da RBA.

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