O esbulho eleitoral e os Caifás do judiciário

caifas
Da convivência de suas décadas com Leonel Brizola, ficou-me a mania de lembrar de palavras fora do (cada vez mais pobre) vocabulário do dia a dia.
E, ao lembrar que estamos a menos de um mês do julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, uma delas vem-me à cabeça como algo que provavelmente seria dita por ele: esbulho.
Para quem não sabe, esbulho é o ato de se retirar forçadamente um bem de seu legítimo possuidor.
O bem, neste esbulho, é o direito de voto. E seu legítimo possuidor é o povo brasileiro.
Há descrição mais precisa para o que três desembargadores – baseados em “convicções”, mas sem nenhum documento que comprove que Lula tenha sido o proprietário, entrado na posse ou solicitado o tal triplex do Guarujá – estão prestes a fazer, no dia 24 de janeiro?
Durante dois anos, tudo o que se escreveu e disse neste processo foi exibido – e de forma massacrante – à população. E sem o que, em direito, chamamos de “paridade de armas”. Isto é, com as mesmas oportunidades para que acusação e defesa se manifeste: o acusador dispôs  de rede nacional para exibir o seu powerpoint, numa delirante performance, enquanto aquela ficou sujeita apenas ao que os editores dela queriam mostrar.
Ainda assim, Lula cresce na opinião pública, entre os quase 150 milhões de eleitores brasileiros.
Aqueles três homens – ou melho, apenas dois, já que o relator, João Gebran Neto, é invariavelmente um homologador das sentenças dadas por seu amigo Sérgio Moro – podem substituir a população?
A menos que deixem Lula concorrer – porque, afinal, é isso o que decidirão – estarão esbulhando o povo brasileiro do direito de julgar o ex-presidente.
E atirando o processo eleitoral e o futuro da vida brasileira, por muito tempo – na ilegitimidade, porque será uma eleição castrada.
É isso, sem tirar nem por, o que se decide – ao menos provisoriamente, porque seguirá o festival de recursos e, de novo, a personalização de uma decisão eleitoral que é coletiva e de muitas dezenas de milhões.
Nestes dias de religiosidade à tona, não seria mau que se dessem conta a, em outra esfera, a da fé democrática, se dessem conta de que estão prestes a reproduzir a figura de Caifás, o sacerdote que exigiu a crucifixão, ou Anás, que a confirmou. Tudo sob os aplausos da “Paulista” de Jerusalém.
Óbvio que não se compara Lula a Cristo, mas as histórias bíblicas são mais importantes como metáforas do que como narrativa fática. Porque elas dizem muito do comportamento dos homens e, mais ainda, sobre o comportamento do poder.

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