Pelo twitter, jornalista inglês critica: “Nenhuma pergunta da imprensa estrangeira foi respondida”; não demora muito, o interventor nos mandará calar a boca, diz Joaquim de Carvalho

viomundo

27 de fevereiro de 2018 às 16h56

  

O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, concede entrevista coletiva à imprensa e apresenta o chefe do Gabinete de Intervenção Federal, o general Mauro Sinott. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Militares: Brasil se encontra com o passado na sombra de um governo indecente
Não poderia ser pior o reencontro dos militares com a imprensa, para tratar de assuntos que dizem respeito à vida civil: a segurança pública.
O interventor militar Walter Souza Braga Netto encerrou a entrevista com uma repreensão aos jornalistas que, por dever de ofício, faziam mais perguntas:
“Senhores, no grito não funciona.”
Não havia grito, apenas o interesse por respostas, mas, pelas regras impostas pelo general para a entrevista, não houve tempo para todos os esclarecimentos.
A entrevista durou 30 minutos, houve número determinado de perguntas e algumas foram feitas por escrito.
Foi como ser obrigado a rever um filme ruim.
Em alguns momentos, lembrou o triste episódio de 1983, em que um repórter, depois de desistir de uma entrevista em que o general Newton Cruz não respondia às suas perguntas, desligou o gravador e saiu.
O general o perseguiu, o segurou pelo braço e, diante de todos, o obrigou a pedir desculpas (vídeo abaixo). Eram os últimos meses da ditadura militar, diferentemente de agora, quando se inicia um ciclo estranho, do tipo em que todos sabem como começa, mas ninguém sabe exatamente como termina.
O general Braga Netto disse que a intervenção no Rio é um laboratório — sim, local onde se faz experiência. Se der certo, se espalha pelo Brasil.
Houve reação foi imediata. “Cada vez mais preocupante para a democracia. A militarização avança sem pudores”, disse Guilherme Boulos, através do Twitter.
O general, com sua grosseria e aparente incapacidade de se relacionar com a imprensa, foi para um dos assuntos mais comentados do Twitter na manhã de hoje, ao mesmo tempo em que, em Brasília, tomava posse do Ministério da Defesa o general Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a assumir a pasta desde que ela foi criada, em 1999.
O Brasil assume outra cara, e ela feia, e preocupante.
O que estava ruim piorou.
O Ministério da Defesa foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso como uma tentativa de alinhar as forças armadas ao interesse estratégico do País, e em sua concepção a ideia era manter um civil para chefiá-lo.
O diplomata Ronaldo Sardenberg, então ministro dos Assuntos Estratégicos, participou da criação do Ministério, mas não pode assumi-lo, como era esperado, em razão da oposição dos militares.
“Recebi o Sardenberg, pessoa de quem gosto, homem ponderado, ele seria um bom ministro da Defesa, os militares não querem. Querem Élcio Álvares, porque é mais negociador e eles vão ter mais margem de manobra”, observou Fernando Henrique Cardoso em seu diário.
No dia em que assinou o decreto que criava a pasta, em 21 de novembro de 1999, enfrentou a cara feia dos chefes da Aeronáutica, Exército e Marinha.
“Assinei uma lei complementar para a criação do Ministério. Não estavam contentes, embora as informações que recebi do Clóvis tenham sido de outra natureza. Houve convergência, mas não me pareceu tanta alegria assim. Depois conversei com Sardenberg, que também estava na reunião, e ele disse que ele e o Clóvis, mais este do que ele, cederam muito e que não via razão para os ministros se preocuparem. A preocupação tem a ver, naturalmente, com esse fato histórico e importante que é a criação do Ministério da Defesa para substituir os ministros militares”, afirmou.
A rigor, os militares brasileiros sempre tiveram dificuldade de se submeter a um comando que não fosse militar.
Da revisão da lei de anistia à criação do Ministério da Defesa, sempre colocaram obstáculos, como se fossem uma casta intocável numa república.
Inadmissível.
O Brasil se encontrou com seu passado na sombra de um governo cujo melhor definição é: indecente.
O governo Temer não é fraco, é imoral, na justa medida da imoralidade: faz qualquer negócio para se manter.
E para se manter, abriu as portas da caserna, para colocar de volta nas nossas vidas servidores públicos que se comportam como se estivesse acima do bem e do mal, acima das leis.
E que se acham em condições de impor regras para prestar esclarecimentos:
“No grito, não funciona”, bradou o general.
Não demora muito e logo ele mandará jornalistas calar a boca.
PS do Viomundo: No twitter, o jornalista inglês Dom Phillips denunciou que, na coletiva dos militares da intervenção do Rio, foram respondidas apenas perguntas da Globo e do Estadão. As feitas por jornalistas estrangeiros e pela Folha, não.
Traduzindo:
Vale a pena anotar da conferência de imprensa da Intervenção Federal de intervenção de hoje com generais no Rio de Janeiro.
Somente perguntas por escrito; isso não foi anunciado previamente, somente esta manhã na chegada.
Várias perguntas para a Globo e o Estado. Nenhuma para a imprensa estrangeira. Nem para a Folha.
Baseado no Rio de Janeiro, Dom Phillips  escreve para o The GuardianThe Financial Times. Também para o NY Times e o Washington Post.

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