Postado em 18 de abril de 2018 às 10:25 pm
O DCM recebeu o seguinte comunicado:
REDE BRASILEIRA DE BUDISTAS
PROGRESSISTAS
MANIFESTO
“Sigam em sua jornada, para o
benefício e alegria de muitos, cheios de compaixão pelo mundo, pelo seu
bem-estar, pelo benefício e felicidade de toda a humanidade” – Buda
Sakyamuni (Vinaya I, 21)
O Budismo nasce na história a partir
de uma comunidade organizada em torno do Buda e seus ensinamentos. Seres
humanos dedicados à busca da verdade que promove a liberação dos limites e ilusões geradores do sofrimento.
Segundo o Buda, este sofrimento não se limita ao indivíduo. Os efeitos
dos “venenos da mente” que o geram e que devem ser sobrepujados pela
prática, se estendem sobre a vida comunitária em suas diferentes esferas
produzindo a violência, a injustiça, o crime e a morte. Por outro lado, uma sociedade
organizada sobre a compaixão e a igualdade, eixos da ética budista, estaria
empenhada na criação de um ambiente social que
proporcionaria a cada um de seus membros as condições para o pleno florescimento de suas
potencialidades. A comunidade budista primitiva serve como modelo de
materialização destes valores. Inserida na
estrutura de castas da antiga Índia, o Buda e seus seguidores erguem a
comunidade de praticantes – a sanga – sobre os alicerces da igualdade, justiça, compaixão e não-violência, abandonando as distinções opressoras baseadas neste sistema de organização social que até hoje condena milhões de seres
humanos à agonia na sociedade indiana.
Além disso, de acordo com os textos
sagrados (sutras) que chegaram até o presente, há uma concepção budista com relação à organização político- administrativa da sociedade – o Estado – que nos oferece
elementos importantes para a reflexão. A construção de uma sociedade pacífica e justa está
condicionada à existência
de uma estrutura político-organizativa pautada em valores éticos que coloque
limites ao egoísmo e promova o reconhecimento da preciosidade da existência humana por meio de ações concretas. Essa organização se materializaria em um governo que assumiria o
protagonismo na distribuição equânime dos bens materiais, ou seja, que promoveria a
justiça sócio-econômica. Neste “reino”, regido pelo Darma “o povo com alegria em seus corações, brincará com seus filhos e habitará em
casas abertas”
(Kutadanta Sutta – Digha
Nikaya, capítulo 5). Da omissão estatal em cumprir essa função decorreriam todos os males sociais, desde a
miséria até o crime e violência generalizados. (Cakkavatti Sutta – Digha Nikaya, capítulo
26). Portanto, a concepção
social budista do Estado está em completa discordância com o conceito de “Estado mínimo”, hegemônico nos dias atuais, que delega ao mercado, livre das “amarras” estatais, o papel de promotor da
prosperidade e do desenvolvimento.
Considerando, portanto, que o Budismo
possui um conjunto de reflexões éticas e valores morais efetivos a oferecer
para a harmonia e paz das sociedades de todos os tempos, bem como um modelo de
Estado que consubstancia tais valores aplicados ao campo da política, nós,
budistas brasileiros comprometidos com a construção de uma sociedade harmônica e sem opressões, não poderíamos nos calar
diante do ambiente político vigente em nosso país e agravado nos últimos
meses, que aprofunda a opressão secular aos mais vulneráveis, fomenta o
alastramento de discursos e práticas de violência real e simbólica provinda de agentes estatais
e de setores da sociedade civil e incita a ameaça generalizada aos direitos humanos, sociais e
políticos.
O ano de 2016 foi o palco em que o
drama em que estamos mergulhados começou a se aprofundar. Um grupo de parlamentares
associados ao vice-presidente da República e apoiados por certos setores da
sociedade civil levou a cabo um processo de impeachment que acabou por
destituir a presidente eleita, por motivos claramente vazios de fundamentação jurídica e moral. O governo que a sucedeu vem
implementando, desde então, uma agenda regressiva, não aprovada pela vontade
das urnas, contra os direitos mais básicos da população. Neste sentido, tornou-se emblemático o corte
de 95 % no orçamento do presente ano destinado aos
projetos de construção
de cisternas no semiárido nordestino, negando-se, assim, à população da região, o acesso à água.
No que diz respeito ao campo dos
direitos dos segmentos da população historicamente oprimidos em nosso país, o
proto-fascismo sempre presente nas entranhas de nossa sociedade, desde a quebra
da legalidade democrática vem ganhando força e não se vê mais intimidado. Apologias ao estupro, à violência, agressões racistas, misóginas e
homofóbicas se tornam cada vez mais comuns.
Dentre os fatos que se destacam neste
cenário sombrio, não poderíamos deixar de citar o assassinato da ativista de
direitos humanos e vereadora Marielle Franco. Todos os indícios têm apontado até agora para uma execução com motivação política. Uma mulher dedicada à proteção da vida sucumbe pela provável ação de agentes do Estado, ou, no mínimo de sua
negligência. A execução de Marielle é a expressão mais extrema da
realidade
vivenciada pela população negra em nosso país. Abordagens policiais
seletivas, encarceramentos massivos, estereótipos falsos reproduzidos no
cotidiano, desigualdade no acesso à renda e ao estudo e, no extremo, execuções são as faces do racismo estrutural brasileiro
ligado ao passado escravocrata que teima em manter-se presente, fazendo com que
mais da metade da população do país tenha permanentemente ameaçado o direito à própria existência.
Mais recentemente, um processo
judicial marcado por celeridade incomum, levado a efeito por meio de atos de
ofício claramente parciais e motivados politicamente, levou à prisão o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em que pesem as divergências justificáveis que se possa ter com relação ao ex-presidente e ao seu partido, é
inegável, na visão dos que assinam o presente manifesto, que Lula foi e
continua sendo vítima de uma perseguição que tem por objetivo, além de sua humilhação pública, a total inviabilização de seu direito de disputar as eleições que se aproximam, já que dispara nas
pesquisas de intenção
de voto como o provável vencedor. À sua prisão se soma o ódio a que
considerável parte da população tem se entregado com relação à sua figura. Demonstrações públicas de violência aos seus apoiadores, surtos de irracionalidade
desencadeados pela simples menção ao seu nome, clamores pelo seu assassinato,
entre outras situações,
têm criado um quadro extremamente
preocupante.
Diante desta situação grave, com base nos valores da compaixão,
sabedoria e da dignidade intrínseca de todos os seres, os budistas ao final
nomeados se manifestam nos seguintes termos:
Repudiamos de forma não violenta a
agenda político-econômica
regressiva do atual governo por não condizer com os mais básicos princípios
do respeito e do reconhecimento da dignidade humana. Manifestamos nossa total
discordância com programas de austeridade que
neguem aos segmentos mais vulneráveis da população o direito de existir com felicidade e paz.
Declaramos nosso apoio a todas as
iniciativas sociais e políticas em curso, de pessoas e instituições, que promovam a defesa dos direitos de todos
os seres à existência plena e gratificante.
Postamo-nos, como filhos de Buda, ao lado daqueles que lutam e resistem para
que todos possam usufruir plenamente a dádiva do momento presente.
Conclamamos todos os budistas
brasileiros a não cederem aos clamores irracionais da violência e do ódio. Que possamos usar as ferramentas
da liberação ensinadas pelo Buda para
questionarmos nossas ideias e uma vez certificados de sua legitimidade, que
possam ser expressas com respeito e compaixão.
Convidamos todos os brasileiros das
diferentes posições político- ideológicas para
renunciarem a qualquer forma de ação violenta, mesmo sob os argumentos aparentemente
mais nobres, uma vez que os atuais conflitos poderão ganhar proporções que nos lançarão a todos em um cenário de dores cuja solução escapará completamente ao nosso controle. Que
o respeito à democracia seja a garantia para a manutenção do mínimo de paz social de que necessitamos e
que a proximidade das eleições, ainda que limitada pelas peculiaridades
trágicas de nossa infantil democracia, ofereça oportunidade para optarmos por projetos
políticos sintonizados com a construção de uma sociedade mais justa e pacífica. Nesse
sentido, que os discursos de soluções pautadas na intolerância e violência não nos iludam.
Confiantes na capacidade humana de
reencontrar-se continuamente com a fonte de paz e lucidez que está a seu
alcance, assinam o presente:
Monge Shokan Alves (Leandro Vieira
Alves) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP (redator)
Leandro Durazzo (普道) – Tradição Chan/Terra Pura, João Pessoa/PB (redator)
Rev. Shaku Shoshin (Joaquim Antônio Bernardes Carneiro Monteiro) – Tradição Shin Budista/Jodo Shinshu Honpa Honganji),
Porto Alegre/RS (revisor)
Rev. Shaku Riman (Ricardo Mario Gonçalves) – Tradição Shin Budista, São Paulo/SP (revisor)
Rev. Monja Coen
Roshi – Tradição
Zen Budista/Zendo Brasil, São Paulo/SP
Rev. Monge Sato – Tradição Shin Budista, Brasília/DF
Rev. Monja E-gen Cris
Sato – Tradição
Shin Budista, Brasília/DF
Eisen dos Santos (Simone Mendes dos
Santos) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
João Holanda – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Daniela Alineri de
Araújo – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Hosei Fernandes (Paulo Rogério
Fernandes) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Celso Trigo Mandeep – Rio de
Janeiro/RJ
Derley Menezes Alves
(Jeyyadhamma) – Tradição Theravada, Aracaju/SE
AD Luna, jornalista e
músico – Tradição Zen Budista, Recife/PE Sandra S. F.
Erickson – Tradição Tibetana, CEBB, Natal/RN
Fábio Fernandes – Tradição Theravada, São Paulo/SP
Felix Antonio de Medeiros
Filho – Tradição
Soto Zen Budista, Patos/PB
Klara Maria Schenkel (Djampa
Tseten) – Tradição Vajrayana Gelug, João Pessoa/PB
Mairen Mascarenhas (Fernanda Cayres
Mascarenhas) – Tradição Zen Budista. São Paulo/SP
Jikai Gosch (Gil Cafrune
Gosch) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Seika Martínez (Angélica Figuera
Martínez) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Daihou Confortin (Daniel
Confortin) – Tradição Zen Budista Soto- shu/Jisuiji, Passo Fundo/RS
Lilian Cordeiro – Tradição Soto Zen Budista, Passo Fundo/RS
Bianca Deon
Rossato – Tradição Zen Budista, Passo Fundo/RS
Etsudo Sasaki (Clara Mitiko
Sasaki) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
Monge Mansei Wada (Marcelo Hideki
Wada) – Tradição
Zen Budista, Curitiba/PR
Joshin Satake
(Mari Satake) – Tradição Zen Budista, São Paulo/SP
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